Nesta nota informativa analisamos o contexto da iniciativa, as principais alterações previstas e os seus potenciais impactos para as empresas.
A Comissão Europeia tem vindo a refletir sobre as formas de reforçar a competitividade da União Europeia no contexto global.[1] Como parte dessa estratégia, prevê-se o desenvolvimento de um conjunto de medidas de simplificação regulatória, conhecidas como pacotes omnibus de simplificação. O primeiro pacote deverá ser anunciado a 26 de fevereiro de 2025 e visa simplificar, as obrigações de reporte das empresas em matéria de sustentabilidade, introduzindo alterações ao Regulamento da Taxonomia, à Corporate Sustainability Reporting Directive (“CRSD”) e à Corporate Sustainability Due Diligence Directive (“CS3D”).
Uma “bússola” para a competitividade europeia
A ideia de um pacote omnibus foi mencionada pela primeira vez por Ursula von der Leyen a 8 de novembro de 2024, quando os líderes dos Estados-Membros da UE e a presidente da Comissão se reuniram em Budapeste para debater a competitividade da União Europeia. Posteriormente, este conceito foi desenvolvido no European Competitiveness Compass, um instrumento estratégico, publicado a 29 de janeiro de 2025, destinado a reforçar a posição da União Europeia na economia mundial.[2]
O European Competitiveness Compass assenta nas conclusões do relatório de Mario Draghi sobre a competitividade europeia[3] e do relatório de Enrico Letta[4] sobre o futuro do mercado único. Assenta em três pilares estratégicos:
- Inovação e produtividade: redução da discrepância entre a UE e outras grandes economias em termos de produtividade e progresso tecnológico.
- Sustentabilidade e crescimento: alinhamento entre descarbonização e competitividade sem comprometer o crescimento económico.
- Redução de dependências externas: reforçar a resiliência económica e segurança da UE.
Além destes três pilares, o documento destaca fatores transversais essenciais, como a simplificação regulatória, a redução de barreiras no mercado único, o financiamento da competitividade, o desenvolvimento de competências e a criação de empregos de qualidade, bem como uma maior coordenação entre os Estados-Membros. É neste contexto que surge o pacote omnibus, destinado a reduzir encargos administrativos para as empresas.
O pacote omnibus
O primeiro pacote omnibus, a ser anunciado no dia 26 de fevereiro, pretende reduzir em 25% as obrigações de reporte para a generalidade das empresas e em 35% para as PMEs.[5] Algumas das principais medidas incluem:
- A introdução de uma nova definição para small mid caps (empresas de média capitalização) com o objetivo de reduzir os encargos regulatórios que lhes são impostos, possivelmente aproximando-as do regime simplificado já aplicado às PME.
- A adaptação das obrigações em matéria de sustentabilidade à dimensão e escala de operações das empresas abrangidas, assegurando um equilíbrio regulatório adequado. Estão potencialmente abrangidos regulamentos e diretivas como o Regulamento da Taxonomia, a CSRD, a CS3D e, potencialmente, o Sustainable Finance Disclosure Regulation (“SFDR”).
- A mitigação do chamado “efeito cascata” regulatório, ou seja, a transferência excessiva de encargos de reporte de sustentabilidade das grandes empresas para outros intervenientes nas suas cadeias de valor, evitando sobrecarga para entidades de menor dimensão.
- A promoção de um diálogo estruturado com as empresas, incluindo as PMEs, para avaliar o impacto concreto das medidas de simplificação na sua atividade e garantir a sua efetividade. Esta iniciativa visa dar resposta aos apelos do setor empresarial europeu, que tem enviado sinais claros de que a excessiva complexidade regulatória, a morosidade dos processos de licenciamento e os procedimentos administrativos demasiado burocráticos representam obstáculos significativos à sua competitividade.
Com a publicação deste pacote omnibus a 26 de fevereiro, deverá dar-se início aoprocesso legislativo necessário para que a legislação relevante possa ser finalizada e entrar em vigor. Para além da Comissão Europeia, este processo envolve o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu e a sua duração dependerá de múltiplos fatores, incluindo a complexidade das alterações propostas e a unanimidade da vontade política.
O debate em torno da simplificação e o risco de “desregulação”
A necessidade de simplificação do enquadramento jurídico da sustentabilidade não é uma questão recente. Este tema tem sido abordado pela EU Platform on Sustainable Finance, que publicou, no dia 5 de fevereiro, um relatório sobre a simplificação da Taxonomia. O relatório propôs cinco medidas principais para tornar o reporte mais eficiente [6]:
- Propõe-se uma melhoria da avaliação e das obrigações de reporte do princípio o “não causar dano significativo” (do no significant harm ou DNSH), diferenciando a sua aplicação consoante os utilizadores (entidades financeiras e não financeiras), as finalidades (volume de negócios ou despesas de capital) e a geografia (exposições dentro e fora da UE).
- Introdução do princípio da materialidade para todas as entidades, bem como limiares de materialidade para os principais indicadores de desempenho (KPIs) das empresas não financeiras, incluindo uma avaliação simplificada do DNSH para o KPI relativo ao volume de negócios. Adicionalmente, clarificar o cálculo dos KPIs de despesas operacionais (OpEx KPIs), restringindo a sua obrigatoriedade à investigação e desenvolvimento (I&D).
- Estabelecimento de diretrizes claras para o uso de estimativas no âmbito da taxonomia, incluindo a criação de safe harbours para o reporte no setor financeiro.
- A introdução de estimativas e proxies em todos os ativos relevantes para o cálculo do green asset ratio (GAR) e do green investment ratio (GIR), juntamente com uma avaliação simplificada para retalho e um denominador reduzido para certas classes de ativos.
- O desenvolvimento de abordagens simplificadas e voluntárias para a integração da taxonomia nos reportes de PME, bancos e investidores.
Paralelamente, na sequência do anúncio do pacote omnibus, foi publicado, a 1 de fevereiro, o Commentary and recommendations for the simplification of the EU Sustainable Finance legislation. Neste documento, a International Capital Markets Association (ICMA) apresentou várias recomendações, incluindo [7]:
- Abordar os desafios de aplicabilidade da Taxonomia da UE, limitando as obrigações obrigatórias de reporte às grandes empresas cotadas e, por agora, apenas aos objetivos de mitigação e adaptação às alterações climáticas, com reporte best effort para os restantes quatro objetivos. Além disso, sugeriu-se a introdução de metodologias alternativas para a avaliação do DNSH e do Minimum Safeguards (MS) com base numa abordagem de risco a nível da entidade, bem como a criação de mecanismos para o reconhecimento de taxonomias externas equivalentes.
- Redefinir as exigências de reporte obrigatório ao abrigo da CSRD, focando-se nos dados essenciais, sem comprometer a perspetiva de dupla materialidade e garantindo consistência com os padrões do International Sustainability Standards Board (ISSB).
- Harmonizar o reporte ao abrigo do SFDR, alinhando-o com os dados simplificados da CSRD, os requisitos do ISSB e outras taxonomias de mercado reconhecidas, evitando desfasamentos na implementação entre a CSRD e o SFDR.
- Manter uma definição flexível de “investimento sustentável” no SFDR, permitindo uma abordagem mais ampla à sustentabilidade do que aquela prevista exclusivamente na Taxonomia da UE.
- Ajustar os prazos das legislações pendentes para assegurar uma implementação faseada e coerente, proporcionando maior previsibilidade e segurança jurídica, nomeadamente através da suspensão temporária de certas obrigações de reporte.
Por outro lado, esta estratégia de simplificação tem vindo a ser percecionada por outras entidades e representantes da sociedade civil [8] como um sinal de “desregulação”, numa cedência aos interesses de alguns grupos empresariais que poderá implicar um retrocesso da União Europeia em matéria de sustentabilidade.
Uma abordagem inadequada à simplificação das obrigações de reporte atualmente em vigor pode enfraquecer a recolha e análise de dados essenciais para monitorizar o progresso em matéria de sustentabilidade. A falta de informação detalhada não só potencialmente dificultaria a aferição do impacto das políticas adotadas, como poderia comprometer os objetivos do European Green Deal[9], debilitando assim a capacidade da União Europeia de garantir uma transição sustentável e competitiva.
A este propósito, no dia 30 de janeiro, o Joint Research Centre (JRC) publicou o estudo mais abrangente até à data sobre os progressos alcançados na concretização dos vastos objetivos do Green Deal.[10] O estudo identifica 154 metas vinculativas e não vinculativas que compõem o Green Deal e apresenta um retrato do progresso alcançado na sua concretização. Dos 154 objetivos analisados, 32 estão atualmente “no bom caminho”, enquanto 64 foram classificados como tendo “necessidade de aceleração”, ou seja, estão a evoluir, mas exigem um reforço dos esforços para serem cumpridos dentro dos prazos estabelecidos. Por outro lado, 15 metas foram identificadas como “sem progresso” ou mesmo “em regressão”, e para 43 não existem, até ao momento, dados disponíveis.
Próximos passos
O debate sobre a simplificação da legislação da sustentabilidade continuará a ser um tema central nos próximos anos, à medida que a União Europeia procura equilibrar a competitividade e a eficácia regulatória. Os desenvolvimentos nesta área continuarão a ser cuidadosamente monitorizados, pois a implementação das novas medidas exigirá uma adaptação constante. Contudo, tendo em conta a recente transposição (ou, no caso de Portugal, a falta de transposição) da CSRD e a recente entrada em vigor da CS3D, existem riscos de que a simplificação apresente desafios para a plena implementação das obrigações, prejudicando a consistência e o impacto das políticas de sustentabilidade.
Pontos de contacto
O que gostaria de fazer?
[1] Discurso da Presidente Ursula von der Leyen sobre a Bússola de Competitividade da UE, disponível aqui.
[3] Mario Draghi, The future of European competitiveness - Part A | A competitiveness strategy for Europe, setembro 2024, disponível aqui. Este relatório foi comissionado pela Comissão Europeia e apresentou as conclusões finais da análise de um estudo sobre o estado da competitividade europeia, acompanhadas de um conjunto de recomendações fundamentais para impulsionar o crescimento económico, inovação e investimento estratégico da União Europeia face à concorrência global.
[5] Uma Bússola de Competitividade para a EU (“Competitiveness Compass”), disponível aqui, pág. 17. Discurso de 2023 da Presidente von der Leyen sobre o Estado da União, disponível aqui.
[6] EU Platform on Sustainable Finance, Simplifying the EU Taxonomy to Foster Sustainable Finance Report on Usability and Data, Fevereiro 2025, disponível aqui.
[7] ICMA, Commentary and recommendations for the simplification of the EU Sustainable Finance legislation, Fevereiro 2025, disponível aqui.
[8] A título de exemplo, veja-se o Multi-stakeholder statement, coordenado pela Frank Bold e pela WWF EU, publicado em dezembro de 2024 e disponível aqui.
[9] O Green Deal visa reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030, alcançar a neutralidade climática até 2050 e promover uma economia eficiente na utilização de recursos. Para tal, assenta num conjunto de medidas de apoio que abrangem diversos setores, nomeadamente a energia, os transportes, a economia circular, a agricultura e a alimentação, os ecossistemas e a biodiversidade, bem como a poluição da água, do solo e do ar.